domingo, 25 de outubro de 2009

Senhor Samuel

[Ouvindo... Zeca Pagodinho – Uma prova de amor]


Falem, podem falar. Mas eu gosto de Zeca Pagodinho. E todos os sambas, partidos altos e pagodes. Não sambo nada, minha gente. Mas gosto de ouvir, admiro e danço um “cadiquinho”, mas nada de mulata girando nem neguinho aos meus pés me admirando. Sabe como é português no samba né?
Isso me lembra gente. Gente que passa pela gente, gente que sempre traz algo na nossa lembrança, nos traz algo para a vida. Gente que renasce na gente as coisas bonitas e ruins.
Quando me vejo ouvindo pagode e samba
na sala, sentada, parada, me lembro de um senhor que conheci há muitos anos.
Seu nome era Samuel e não era judeu. Era um baita de um “brancão”, com barba e o pouco cabelo que tinha grisalhos. Usava sempre terno, vivia de terno. E eu na minha imaginação de 8 anos, imaginava que ele dormia de terno. Era um papai Noel de terno. Era juiz, minha mãe me falou um dia e então me conformei. Era um juiz muito calado, mas muito simpático e nos cumprimentava sempre. Era casado com a Alda, uma advogada bonita, senhora idosa, lá com os seus 60 anos. Andava sempre elegante, com as suas bolsas de mapas geográficos (bem típicos da época), suas blusas estampadas discretas e sempre muito bonita. Tinha filhos adultos, e portanto, netos mais ou menos da minha idade. E eu brincava com os netos da dona Alda e do senhor Samuel.
Um dia, enquanto jogava baralho com uma das netas deles, ouvi Zeca Pagodinho no escritório do senhor Samuel. E a música era “Verdade”, daquelas bem animadas (para quem não conhece). Estranhei aquela música vindo do escritório e fui lá verificar discretamente. O escritório era um cômodo bem decorado. Com uma enorme estante de livros, computador, e tudo muito bege. Sofá, carpete e móveis. E no fundo, sentado no sofá bege, estava lá o senhor Samuel. Sentado, com seu terno legítimo e inato, com um sorriso meio tímido, uma das mãos no braço do sofá b
atucando com o ritmo da música, pés parados e o Zeca cantando no fundo. Meu amigo Samuel me viu, e me perguntou e respondeu timidamente: “Gosta de pagode? Eu adoro!”. Nem deu tempo de responder coisa alguma! Corri para a outra sala e continuei no meu baralho com Gabriela.
Esse senhor Samuel me marcou sempre. Naquele tempo, a minha casa mantinha música praticamente 24 horas por dia. E sempre tocava o Zeca, Jorge Aragão e Paulinho da Viola. Este, muito raramente. Só no fim da infância que desenvolvi especial afeto por esse artista. Vizinhos reclamavam do som. E o senhor Samuel dizia
com seu jeito tímido e introvertido: “Deixa tocar, ninguém ta matando, ninguém ta roubando. Não incomoda não!”.

Talvez eu fique igual ao senhor Samuel. Talvez ele imaginava belas mulatas comparadas à dona Alda. Sentia saudade de alguém, de algo. Ou gostava simplesmente. E eu nem sei porque ouço Zeca e samba. Sinceramente? Com o samba lembro de certas ocasiões no Rio. E como sinto saudade!
Existem “figuras” que vem na nossa vida, que poderíamos fazer um livro sobre elas. E uma delas, é o senhor Samuel. Com seu terno imbatível, sua seriedade, sua educação e seu Zeca percorrendo seu escritório vivo de bege...



Abraço a todos!
E ao senhor Samuel, que jamais irá ler esse post!